sábado, 2 de maio de 2009

Crônica: O monólogo de um cafetão


Cafetão. Bem, essa é uma palavra que nunca me agradou. Eu prefiro me definir como um empresário do ramo dos prazeres físicos. E pra ser bem sincero, eu sou muito bom nisso. Se querem saber, não me visto com ternos roxos e chapéus com plumas de ganso na cabeça. Sempre fui discreto, e essa foi a mesma discrição que tornou os negócios tão rentáveis. A clientela? É a mais seleta possível. Deputados, advogados, gente de alto escalão. Nada de bêbados e adolescentes transpirando virilidade. Esse costume de ter que contar o que se faz em quatro paredes para os amigos seria péssimo para os negócios.

O bom é ter pessoas poderosas na palma de suas mãos. Por quê? Simples. Porque sempre estão amarradas a alguma falcatrua, não podem abrir o bico e causar o risco de caírem na imprensa e de afetar suas vidas pessoais. Filhos, esposas, politicagem, vida pública, esses são todos os escudos de que eu preciso para ser quem sou. Meu nome verdadeiro, é obvio que eles não sabem. Sou um negociante, irredutível nos meus preços. Nunca trabalhei, não trabalho e nem nunca trabalharei com drogas. Eu tenho uma ideologia, não sou um mulambo qualquer que faria qualquer coisa para encorpar os negócios.

Europa, Ásia, Oceania, Américas, tanto faz. Meu cliente especifica o seu tipo de prazer: tamanho, corpo, cabelos, modalidade sexual. E eu as consigo. São 20 anos desenvolvendo esse tipo de trabalho. Também tenho vida pessoal, uma família pra criar e um emprego comum que uso meu nome de verdade. Às vezes cruzo com alguns de meus clientes nas ruas, padarias, lojas, gabinetes e por aí vai. Mas eles sabem que uma das minhas exigências é que não passem nem perto de mim, tampouco da minha família. Faça isso, e faremos negócio pelo resto da vida se necessário.

Eu compreendo estes homens. O sexo casual depois de dias a fio de estresse pode ser mortal para um ser humano. A cabeça não agüenta, o corpo não resiste. É como comer feijão com arroz todos os dias. Eles me procuram porque sabem que o que eu tenho a oferecer é muito mais do que eles podem encontrar por si sós. Prostitutas por prostitutas, em qualquer esquina se pode encontrar. Mas todo homem tem um desejo íntimo, algo que queira realizar. Algo que está fora de qualquer padrão social aceitável.

Traição? Também acho uma palavra muito forte. Estes homens teriam sim poder para lutar contra sua própria natureza. Mas fazendo isso, colocariam em risco um matrimônio e uma família estabilizada. Quando o homem realiza o seu desejo mais íntimo, consegue voltar pra casa e compensar sua esposa. Seja porque realizou seus objetivos sexuais, seja porque ficou com sua consciência pesada.

Aí me perguntariam: Mas e você não perde a sua clientela com esse tipo de jogo familiar? Claro que não! Os instintos dos seres humanos são muito mais aguçados do que qualquer sentimento. Então, se eles se sentem culpados, é algo que dura no máximo dois meses. A vida continua, e ela é lenta, monótona, e previsível. O ciclo vicioso de acordar, trabalhar, voltar pra casa e fazer sexo com sua querida esposa carente, enjoa sempre. E aí, eles voltam a me procurar.

Ás vezes eu penso se eu deveria ficar com a minha consciência pesada, se não seria falta de amor ao próximo fazer o que faço. Mas daí eu penso que aquele pai de família mesmo com sua vida dividida entre verdades fraternais e mentiras conjugais sempre voltará para casa. Vai abraçar seu filho, dar-lhe um presente e talvez até leia uma estória para ele antes de dormir. O que tento fazer no meu ramo, é dispersar um pouco essa idéia de vida monótona do homem. Nós temos 24 horas por dia e estamos sempre repetindo os mesmos passos.

O homem precisa estar centrado em seu trabalho para receber com honra e dignidade o título de mantenedor de um lar. Mas é impossível que ele faça tudo que a vida lhe impõe sem falhar quando por dentro sempre está vazio. O meu trabalho é renovar essa felicidade. E eu não me culpo por isso.

Vinicius Canova Pires

Nenhum comentário: