Jó era um cara legal. Alessandro nem tanto. Gustavo era paranóico. E Henrique, bem... o Henrique tinha lá seus distúrbios sexuais desenfreados. Vide o novilho que virou vítima em um desses campus rurais universitários para estudantes de veterinária(e o que virou na própria casa), zootecnia, entre outros cursos da área do campo. O que há de comum entre eles? Em caráter e personalidade, absolutamente nada. Mas todos foram encontrados pela dona Morte, que não teve misericórdia na hora de puxar cada um pelos cabelos. Jó era do tipo que não se importava em gastar seu dinheiro, se o bem comum fosse o objetivo. Recebia no primeiro dia útil do mês, e no segundo já estava sem um puto no bolso. O Gustavo tinha aquela velha mania de perseguição, coitado. Se ele soubesse o quão irrelevante para os outros era sua existência, estaria curado repentinamente. O Alessandro tinha aquele mau humor que lhe era peculiar. De manhã cedo já acendia um cigarro, fitava o céu, e por mais bonito que estivesse a frase imperativa era: - Que merda de dia. Lembro quando ele me contou que duas senhoras se aproximaram dele, dizendo:
- Menino, desse jeito você vai morrer cedo.
- Não senhora, eu não tenho tanta sorte assim.
- Ai Meu Deus, Dinorá, vamos sair daqui. Esse marginal me dá medo.
Mal ele sabia que teria sorte, se assim ele o considera.
Bom, pelo menos desse episódio saiu um sorriso de Alessandro – só que claro, de puro escárnio –, porém ele estava só satisfação.
Henrique era obcecado pelo sexo. Mulheres, animais, homens, plantas, tudo o que se movia era alvo de sua atenção. Claro que o destino dele não poderia ser qualquer outro diferente se não adquirir de forma súbita o vírus da imuno deficiência adquirida – AIDS ou vírus do HIV –, depois de presunto, quem se importa com a nomenclatura? Eu nunca fui amigo de nenhum deles, mas observava-os quando tinha chance. Estudar psicologia é o meu fardo e frustração por não ter capacidade de fazer o curso dos meus sonhos: Direito. E também sendo pobre que dá dó, não tive oportunidade de ingressar em qualquer faculdade particular, e olha que implorei por uma vaga de estágio para ser contemplado apenas pelo desconto, mas nada. Mas porque falar de mim, se temos quatro personagens muito mais interessantes do que eu? Bem, o fato é que esses quatro me instigaram. Fiz uma planilha com um roteiro, montei os dias, horários de cada um deles, para que eu pudesse observá-los melhor. Comecei com o Jó.
Jó, que na verdade é Joaquim, é descendente de portugueses. E como todo bom descendente de portugueses que moram no Brasil, é vascaíno, e como bom vascaíno e descendente de português, é filho de padeiros. Trabalha 9 horas por dia. Durante os sete dias da semana, e como seus pais são autônomos, não tem descanso ou remuneração especial. Ganha pouco, e gasta tudo com os amigos. Não poupa, não regula, não se cuida. Não compra roupas, não ajeita o visual, não tira o bigode, é sedentário, mas os outros o vêem como boa pessoa. Só que ultimamente comecei a vincular o termo “boa pessoa”, com “pessoa que gasta o seu dinheiro comigo”. Jó não era muito diferente dos outros que eu observava, mas era rodeado de amigos, de parentes, de colegas. Moscas que voam e caem sobre a carne podre de um peixe morto. O mais cômico é que o Jó ingressou na faculdade no curso de Antropologia, já deveria entender e compreender um pouco mais as relações com as pessoas. Morreu em uma dessas bebedeiras de final de semana, embriagado, pegou a camionete do pai, catou alguns amigos, capotou e morreu. Presunto.
Depois que Jó morreu, perdeu um pouco a graça, pois tive que reinventar o meu itinerário. Passei a observar mais o Alessandro do que os outros. Até ali a paranóia do Gustavo não me interessava, e a obsessão sexual do Henrique, menos ainda. Mas o mau humor exacerbado de Alessandro, tinha algo chamativo. Um cara novo, com semblante baixo, olheiras, como se consumisse drogas, fumasse e bebesse o tempo todo. O que constatei depois, que não era bem verdade – fora o cigarro. Alessandro era pobre. Mais pobre do que eu. E mais do que o Jó. Acordava 05h30min da manhã, pra fazer baldeação e chegar ao trabalho 08h00min. Fitava o relógio o tempo inteiro, mesmo que seu atraso dependesse unicamente de ônibus, metrô e de outros meios de transporte, saberia que lhe custaria o emprego, chegar fora do tempo regulamentado pela empresa. Alessandro trabalhava na área financeira um banco particular, que agora me foge o nome. Era um cara que se dava bem com números, e que tinha reputação ilibada o suficiente pra andar pra cima e pra baixo com qualquer montante que lhe fosse aplicada a responsabilidade. O cigarro, o café, a má alimentação, causavam o seu stress fora do comum. As discussões dentro e fora da empresa (essas também pela empresa), o levaram a uma parada cardíaca fulminante. E as pessoas esqueceram fácil de Alessandro, ele mesmo costumava dizer que não era pago pra dar bom dia pra ninguém. E claro alguém assim quando morre, só é lembrado na festa em comemoração desse evento.
Alguém está me seguindo. Eu vou morrer. Meu Deus, vou me esconder aqui dentro desse fosso.
É, acreditar ou não nesse fato? Eis a questão. Seria até mais complicado se eu não tivesse observado com meus próprios olhos, que a terra há de comer um dia – espero que bem depois que esses quatro forem julgados –, mas há realidade nesse fato. Gustavo estava o tempo todo com uma maldita mania de perseguição. As pessoas já o tratavam como retardado mental, não deixavam ele fazer parte de qualquer grupo social dentro da faculdade, deixavam que encostasse-se à parte mais funda da sala, com 4 carteiras vazias, para só assim, se sentirem seguras. Houve alguns boatos de que certa vez, ele saiu gritando e pedindo socorro dizendo que alguém havia colocado a mão na sua perna e tentado arrancar sua cabeça por trás. Mas se ele era o último da fila, como isso seria possível? Daí surgiram os rumores de sua loucura, e pessoas brincando com ele, apelando, mentindo, fazendo com que ficasse mais perturbado ainda, fizeram com que trancasse o seu curso. Passou a vive enclausurado, num apartamento sem luz, com poucos móveis para não tropeçar nos momentos de medo. Com pouca louça para não machucar-se em seus delírios. Mas foi inevitável. Gustavo tropeçou nos próprios pés em um de seus ataques de alucinação, e bateu a cabeça na quina de sua própria cama. Como o apartamento era bem fechado, ninguém pode ouvir nada. Quando o acharam, ele já estava morto, coagulo de sangue no cérebro. Talvez Gustavo seja o único que eu ainda posso compreender. Ele não morreu por escolhas naturais, diferente de Jó e Alessandro. Ele era doente, e não havia ninguém por ele, assim como ele não estava aí pra ninguém.
Agora o caso mais “esquisito” e repugnante de todos, com certeza foi o de Henrique. Rico, ligeiramente inteligente e até sutil aos olhos de quem o via em público. Irreverente, bem humorado, sorriso de uma pessoa normal. Mas o Henrique tinha em sua cabeça doentia, prazeres sexuais completamente dissonantes do que se costuma a ver. Descobri em minhas observações, que todos os dias ele levava alguém, ou alguma coisa para o seu apartamento. Dentre elas: garotas de menoridade, homens de todos os tipos, e também enchia a casa de plantas e coqueiros. Conseguiu autorização da faculdade, para levar animais de pequenos portes para fazer pesquisas particulares em casa. Cachorros, gatos, aves de várias espécies. O mais incrível foi quando observei com um binóculo por uma enorme fresta em seu telhado – é às vezes é preciso ser habilidoso para descobrir as coisas da vida –, que fazia sexo com um novilho, era maldoso, batia no bicho, e beirava ou transbordava a um comportamento psicopata. Morreu 3 meses depois desse fato, havia adquirido o vírus da AIDS em uma dessas várias experiências sexuais, ficou marcado na vizinha e na faculdade como o Dr. Zoófilo Pedófilo. Claro que a sua família, não deve estar ostentando tanto orgulho agora, não é mesmo?
O pior de tudo é que me sinto tão doente quando todos eles. Eu observei todos eles durante muito tempo da minha vida. Seus vícios, virtudes, atitudes relevantes, irrelevâncias, exageros, coerências. E não usei de nada disso pra transformar minha vida em pontos ponderados de atitudes. Talvez eu seja um mesclado de cada um, mas eu me sinto até feliz por isso. Se eu sou tão doente quanto eles, e ainda estou vivo eu digo: - Viva a minha apoteose. Consagro-me um Deus diante de vós. Não preciso de homologação divina, e nem de aceitação mortal. Eu sei que sou melhor do que eles, do que vocês. Até porque eu sei que você está lendo o meu texto, as minhas experiências, e sabe que ninguém que tenha passado por isso tudo, é mero mortal. Quanta asneira estou dizendo, acho que fiquei louco, sádico, esquizofrênico e resmungão. Todos acordaram com a boca cheia de formiga pelos seus vícios, e doenças. Mas eu não sou doente. Nada pode infectar-me. À não ser o medo de não ser reconhecido. O medo do anonimato. E agora, o medo do escuro.
Vinicius Canova Pires
- Menino, desse jeito você vai morrer cedo.
- Não senhora, eu não tenho tanta sorte assim.
- Ai Meu Deus, Dinorá, vamos sair daqui. Esse marginal me dá medo.
Mal ele sabia que teria sorte, se assim ele o considera.
Bom, pelo menos desse episódio saiu um sorriso de Alessandro – só que claro, de puro escárnio –, porém ele estava só satisfação.
Henrique era obcecado pelo sexo. Mulheres, animais, homens, plantas, tudo o que se movia era alvo de sua atenção. Claro que o destino dele não poderia ser qualquer outro diferente se não adquirir de forma súbita o vírus da imuno deficiência adquirida – AIDS ou vírus do HIV –, depois de presunto, quem se importa com a nomenclatura? Eu nunca fui amigo de nenhum deles, mas observava-os quando tinha chance. Estudar psicologia é o meu fardo e frustração por não ter capacidade de fazer o curso dos meus sonhos: Direito. E também sendo pobre que dá dó, não tive oportunidade de ingressar em qualquer faculdade particular, e olha que implorei por uma vaga de estágio para ser contemplado apenas pelo desconto, mas nada. Mas porque falar de mim, se temos quatro personagens muito mais interessantes do que eu? Bem, o fato é que esses quatro me instigaram. Fiz uma planilha com um roteiro, montei os dias, horários de cada um deles, para que eu pudesse observá-los melhor. Comecei com o Jó.
Jó, que na verdade é Joaquim, é descendente de portugueses. E como todo bom descendente de portugueses que moram no Brasil, é vascaíno, e como bom vascaíno e descendente de português, é filho de padeiros. Trabalha 9 horas por dia. Durante os sete dias da semana, e como seus pais são autônomos, não tem descanso ou remuneração especial. Ganha pouco, e gasta tudo com os amigos. Não poupa, não regula, não se cuida. Não compra roupas, não ajeita o visual, não tira o bigode, é sedentário, mas os outros o vêem como boa pessoa. Só que ultimamente comecei a vincular o termo “boa pessoa”, com “pessoa que gasta o seu dinheiro comigo”. Jó não era muito diferente dos outros que eu observava, mas era rodeado de amigos, de parentes, de colegas. Moscas que voam e caem sobre a carne podre de um peixe morto. O mais cômico é que o Jó ingressou na faculdade no curso de Antropologia, já deveria entender e compreender um pouco mais as relações com as pessoas. Morreu em uma dessas bebedeiras de final de semana, embriagado, pegou a camionete do pai, catou alguns amigos, capotou e morreu. Presunto.
Depois que Jó morreu, perdeu um pouco a graça, pois tive que reinventar o meu itinerário. Passei a observar mais o Alessandro do que os outros. Até ali a paranóia do Gustavo não me interessava, e a obsessão sexual do Henrique, menos ainda. Mas o mau humor exacerbado de Alessandro, tinha algo chamativo. Um cara novo, com semblante baixo, olheiras, como se consumisse drogas, fumasse e bebesse o tempo todo. O que constatei depois, que não era bem verdade – fora o cigarro. Alessandro era pobre. Mais pobre do que eu. E mais do que o Jó. Acordava 05h30min da manhã, pra fazer baldeação e chegar ao trabalho 08h00min. Fitava o relógio o tempo inteiro, mesmo que seu atraso dependesse unicamente de ônibus, metrô e de outros meios de transporte, saberia que lhe custaria o emprego, chegar fora do tempo regulamentado pela empresa. Alessandro trabalhava na área financeira um banco particular, que agora me foge o nome. Era um cara que se dava bem com números, e que tinha reputação ilibada o suficiente pra andar pra cima e pra baixo com qualquer montante que lhe fosse aplicada a responsabilidade. O cigarro, o café, a má alimentação, causavam o seu stress fora do comum. As discussões dentro e fora da empresa (essas também pela empresa), o levaram a uma parada cardíaca fulminante. E as pessoas esqueceram fácil de Alessandro, ele mesmo costumava dizer que não era pago pra dar bom dia pra ninguém. E claro alguém assim quando morre, só é lembrado na festa em comemoração desse evento.
Alguém está me seguindo. Eu vou morrer. Meu Deus, vou me esconder aqui dentro desse fosso.
É, acreditar ou não nesse fato? Eis a questão. Seria até mais complicado se eu não tivesse observado com meus próprios olhos, que a terra há de comer um dia – espero que bem depois que esses quatro forem julgados –, mas há realidade nesse fato. Gustavo estava o tempo todo com uma maldita mania de perseguição. As pessoas já o tratavam como retardado mental, não deixavam ele fazer parte de qualquer grupo social dentro da faculdade, deixavam que encostasse-se à parte mais funda da sala, com 4 carteiras vazias, para só assim, se sentirem seguras. Houve alguns boatos de que certa vez, ele saiu gritando e pedindo socorro dizendo que alguém havia colocado a mão na sua perna e tentado arrancar sua cabeça por trás. Mas se ele era o último da fila, como isso seria possível? Daí surgiram os rumores de sua loucura, e pessoas brincando com ele, apelando, mentindo, fazendo com que ficasse mais perturbado ainda, fizeram com que trancasse o seu curso. Passou a vive enclausurado, num apartamento sem luz, com poucos móveis para não tropeçar nos momentos de medo. Com pouca louça para não machucar-se em seus delírios. Mas foi inevitável. Gustavo tropeçou nos próprios pés em um de seus ataques de alucinação, e bateu a cabeça na quina de sua própria cama. Como o apartamento era bem fechado, ninguém pode ouvir nada. Quando o acharam, ele já estava morto, coagulo de sangue no cérebro. Talvez Gustavo seja o único que eu ainda posso compreender. Ele não morreu por escolhas naturais, diferente de Jó e Alessandro. Ele era doente, e não havia ninguém por ele, assim como ele não estava aí pra ninguém.
Agora o caso mais “esquisito” e repugnante de todos, com certeza foi o de Henrique. Rico, ligeiramente inteligente e até sutil aos olhos de quem o via em público. Irreverente, bem humorado, sorriso de uma pessoa normal. Mas o Henrique tinha em sua cabeça doentia, prazeres sexuais completamente dissonantes do que se costuma a ver. Descobri em minhas observações, que todos os dias ele levava alguém, ou alguma coisa para o seu apartamento. Dentre elas: garotas de menoridade, homens de todos os tipos, e também enchia a casa de plantas e coqueiros. Conseguiu autorização da faculdade, para levar animais de pequenos portes para fazer pesquisas particulares em casa. Cachorros, gatos, aves de várias espécies. O mais incrível foi quando observei com um binóculo por uma enorme fresta em seu telhado – é às vezes é preciso ser habilidoso para descobrir as coisas da vida –, que fazia sexo com um novilho, era maldoso, batia no bicho, e beirava ou transbordava a um comportamento psicopata. Morreu 3 meses depois desse fato, havia adquirido o vírus da AIDS em uma dessas várias experiências sexuais, ficou marcado na vizinha e na faculdade como o Dr. Zoófilo Pedófilo. Claro que a sua família, não deve estar ostentando tanto orgulho agora, não é mesmo?
O pior de tudo é que me sinto tão doente quando todos eles. Eu observei todos eles durante muito tempo da minha vida. Seus vícios, virtudes, atitudes relevantes, irrelevâncias, exageros, coerências. E não usei de nada disso pra transformar minha vida em pontos ponderados de atitudes. Talvez eu seja um mesclado de cada um, mas eu me sinto até feliz por isso. Se eu sou tão doente quanto eles, e ainda estou vivo eu digo: - Viva a minha apoteose. Consagro-me um Deus diante de vós. Não preciso de homologação divina, e nem de aceitação mortal. Eu sei que sou melhor do que eles, do que vocês. Até porque eu sei que você está lendo o meu texto, as minhas experiências, e sabe que ninguém que tenha passado por isso tudo, é mero mortal. Quanta asneira estou dizendo, acho que fiquei louco, sádico, esquizofrênico e resmungão. Todos acordaram com a boca cheia de formiga pelos seus vícios, e doenças. Mas eu não sou doente. Nada pode infectar-me. À não ser o medo de não ser reconhecido. O medo do anonimato. E agora, o medo do escuro.
Vinicius Canova Pires
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