terça-feira, 24 de agosto de 2010

CRÔNICA: Realidade IV – A fisiologia dos metacarpos

NOTA: Antes de começar a quarta crônica, quero deixar claro, que nem tudo que se passa com o protagonista da série, que sequer tem um nome, tem a ver comigo. Não me preocupo se as pessoas emitirem juízo de valor após lerem os textos, mas espero que saibam que nem tudo tem relação com o autor, no caso, eu.

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Hoje é dia de esquecer a realidade. Hoje é dia de comemorar. Comemorar o quê? Não ter o que fazer, não precisar conversar com ninguém, não ter que atender ao telefone, não levar esporro de patrão mal humorado, e principalmente, por não ser obrigado a fixar os pés fora da cama.

Sábado é dia de viagem astral. Esquecer
que meu time é o último na tabela do campeonato nacional, esquecer que na mesa da sala de estar tem três ou quatro contas pra pagar, e todos os infortúnios que estão me esperando, mas me darei ao luxo de só atende-los na segunda-feira.

Moro só. Posso andar de cueca, ou sem ela. Tenho uma cadeira de balanço maravilhosa, voltada à janela da sala, e me dá uma vista maravilhosa da rua. O que eu consigo ver? Quase nada. Na verdade, vejo alguns postes, fiações, pessoas andando pela rua, e algumas delas podem até me fitar se insistirem muito, mas isso não acontece.

Disse em outras oportunidades que eu costumo passar despercebido, mesmo que eu esteja sentado numa janela, seminu, e fumando um charuto enorme de maconha. Eu não falei que ia viajar? Esse momento é único. Melhor que a masturbação; o processo de auto-conhecimento é rico de belezas, é estreitamente casual, mas oportuno, e lhe propícia o verdadeiro gozo que não vem do suco vital, e não suja o chão, nem as mãos.

Toda vez que eu fico chapado, sem exceções, penso na fisiologia dos metacarpos. Sabe-se que em nós, os homens, é o metacarpo que sustenta a palma da mão. A partir daí, podemos sentir as coisas, apalpá-las, e enfim, segurá-las. Os metacarpos são culpados pela nossa obsessão pela posse.

Mas não é de hoje a minha neurose por eles: desde que fumei meu primeiro baseado, a frase “A FISIOLOGIA DOS METACARPOS” ficam estampadas na minha cabeça, e eu juro por Deus ou por Alá - seja lá qual for seu Deus – que eu não faço a mínima idéia de onde é que veio isso, mas acabei dando à eles, a importância que realmente merecem.

Quando você está em plena viagem, as coisas mais absurdas passam pela sua cabeça, quase nada se relaciona. Já imaginei Einstein descendo de rolimã por uma ladeira extremamente íngreme, e claro, mostrando a língua. Certa vez, pensei ter imagino Hitler beijando a mão de cada Judeu que sobreviveu na Alemanha, e pedindo desculpas. Mais absurdo ainda, foi vê-lo ser perdoado por todos, tendo um deles como melhor amigo e dando dinheiro ao filho mais novo dele em seu Bar Mitzvá, pode uma coisa dessas?

Pensei na inutilidade das guerras que o mundo foi obrigado a suportar. Imaginei que eu, franzino e sem um pingo de patriotismo, caso tivesse que ir à guerra, gostaria de ser o cara dos mantimentos. Fingiria-me de morto, me esconderia, e esperaria a guerra terminar até alguém vir me resgatar. Isso se eu não me misturasse ao povo nativo; seja de onde for.

Se eu sou covarde? Claro que eu sou. Eu já vi muitos salvadores da pátria com facas encravadas em seus crânios sendo cuspidos pelos seus adversários. Esses grandes patriotas ganham do Governo uma medalha de ouro, que a mãe recebe em mãos, em troca de seu filho subtraído numa batalha sem sentido.

As pessoas têm tempo, mas elas não querem parar pra pensar na fisiologia dos metacarpos. Elas deixam a beleza da vida passar. Assim nasceram os burocratas; criando empecilhos, acirrando disputas, deixando pessoas sem um lar.

Apesar de não parecer no dia a dia, eu acredito na paz. Eu acredito que existam pessoas que estão aí fora no mundo lutando por alguma coisa maior do que elas, pensado em outras pessoas, e
nas futuras gerações que habitarão um mundo cada vez mais deteriorado.

Dentro da minha própria ignorância, acredito que faço a minha parte não atrapalhando a benevolência dos outros. Eu vivo em constante contradição no meu profundo ceticismo, mas a minha viagem hoje, serve justamente para reencontrar o ser humano que resta aqui. Só acho um equivoco que a perpetuação desse bem, seja baseado em medos que representam o receio das retaliações que a fé impõe. O que falta ao mundo hoje, principalmente nas pessoas, é o desinteresse, o desapego ao material, que elas façam algo sem esperar nada em troca – isso sim, é ser genuinamente bom –, se eu pudesse citar um exemplo, deixando claro que não sou espírita, diria que Chico Xavier foi uma dessas pessoas.

Da janela, dá pra ver o sol se pondo. O sono me pega de jeito, e os pensamentos pseudo-filosóficos agora dão lugar a uma intensa e negra névoa de um profundo nada. É hora de aterrissar. No domingo tenho uma pilha de pratos pra lavar.


2 comentários:

Anônimo disse...

Por que tanto ceticismo?

Mauro Leonardo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.